terça-feira, 26 de novembro de 2013

A Liberdade Religiosa no Brasil – mito ou realidade?

O Brasil é mundialmente reconhecido como um país cuja sociedade tem como características naturais a tolerância e o respeito à diversidade.
O Brasil é mundialmente reconhecido como um país cuja sociedade tem como características naturais a tolerância e o respeito à diversidade. Aqui, no imaginário popular, todas as pessoas se relacionam com simpatia, com amizade e sem essa história de discriminação. Entretanto, quem observa com um pouco mais de cuidado as relações sociais em nosso país acaba percebendo que a realidade não é bem esta.
É justo reconhecer que as brasileiras e brasileiros têm uma receptividade ao novo que não é tão comum a outros povos. Quem nunca ouviu um estrangeiro dizer o quanto adora o Brasil, o quanto as pessoas aqui são prestativas, interessadas, sempre dispostas a ajudar…? Mas infelizmente, para com aquelas pessoas que vivem diuturnamente sob o mesmo céu, muitos de nossos nacionais não costumam ter as mesmas atitudes que têm em relação aos “forasteiros” – ainda mais se a pessoa ou grupo em questão tiver costumes e crenças diferentes dos seus.
Vejamos o exemplo das religiões de matriz africana: apesar de a sociedade brasileira ser composta por mais da metade de indivíduos que têm em sua genética componentes relacionados com a África, a percentagem destes que se identificam como praticantes de ritos de candomblé, umbanda ou outro desta linhagem é muito pouco significativa. É muito comum o fato de a pessoa se identificar como católica – que é a religião mais difundida no país – e ao mesmo tempo ter em sua casa representações de Iemanjá, Oxum e outras deidades de cultos afro-brasileiros. Estudos realizados com crianças cujos familiares se identificam como praticantes destas religiões retratam que, apesar de estes pequenos brasileiros terem amor e convicção ao que lhes ensinaram seus antepassados, eles se identificam nas escolas e rodas que freqüentam como sendo seguidores das religiões “mais tradicionais”, ou seja, menos discriminadas – justamente pelo fato de assim serem melhor aceitos por seus colegas.
O mesmo tipo de relação pode ser estabelecida com outras religiões presentes no Brasil. Entretanto, é necessário ressaltar que este tipo de atitude – de discriminação contra o que é diferente, o que não se conhece bem – não está fundada em nenhum dos escritos originais das religiões ou expressões religiosas. Pelo contrário, o que se lê nos livros sagrados é que Deus é um só, e que portanto todas as pessoas devem amar umas às outras e respeitar suas convicções. É neste espírito que se faz necessário perguntar se a tal liberdade religiosa que muitos crêem existir no Brasil seria realidade ou mito.
De acordo com o artigo 2° da  Declaração das Nações Unidas para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base em Religião ou Crença, que completou 25 anos em novembro de 2006, a expressão ‘intolerância e discriminação com base em religião ou crença’ significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada em religião ou crença” que resultem no não vigoramento ou respeito das liberdades fundamentais e dos direitos humanos em bases igualitárias. Neste sentido, deve-se fazer lembrar que a Constituição Federal garante a laicidade do Estado brasileiro, oferecendo as bases para que pessoas de qualquer crença ou religião possa usufruir destes direitos e liberdades. Não obstante, estes princípios legais não são difundidos para a sociedade de uma maneira geral. Os indivíduos, por não terem acesso a informações acerca da existência destas normas nacionais e internacionais, acabam reproduzindo valores equivocados em sua relação com o divino. Cada qual com sua própria formação religiosa crê que a sua forma de reverenciar a Deus é a mais correta, tornando-se, portanto, perpetrador de discriminação e intolerância. E como as instituições são compostas por indivíduos, os erros destes passam a ser legitimados pelas igrejas e outros tipos de associações religiosas, numa clara distorção do princípios basilar de suas crenças.
Ora, se o termo religião vem do latim religare, que significa o restabelecimento da ligação entre os seres humano e Deus, nada mais correto do que acreditar que cada uma das religiões existentes, na medida em que desempenham o papel de promover esta ligação, sejam expressões legítimas de fé. Nesta linha de raciocínio, o equívoco está exatamente na atitude de acreditar que somente esta ou aquela religião representa de fato a ligação com Deus e com a espiritualidade inerente aos seres humanos. “A luz é boa, não importa em que lâmpada brilhe”, dizia um sábio persa há mais de 100 anos atrás. A difícil tarefa que resta aos líderes religiosos atuais é convencer inicialmente a si mesmos e então aos seus seguidores sobre a veracidade e atualidade desta máxima.
A educação em direitos humanos é uma das ferramentas de que dispomos na atualidade para promover os princípios relacionados com a liberdade e os direitos de seguidores de todas as religiões. Neste sentido, a instrução religiosa deve dar conta de uma gama de responsabilidades que incluem a imparcialidade dos instrutores. Se conhecer é o primeiro passo para respeitar, cabe ao Estado e às lideranças levar o conhecimento de forma ampla e irrestrita, permitindo que cada indivíduo possa fazer a sua escolha e seguir a sua fé. Somente assim poderemos nos orgulhar de vivermos em um país em que a liberdade de crença e religião é um fato, e não um mito.
Mariana Alvarenga Eghrari Pereira é advogada. Mary Caetana Aune é cientista política. Ambas são pesquisadoras do Fórum Nacional de Educação em Direitos Humanos e militantes de direitos humanos, com artigos publicados no Brasil e na América Latina.

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